Será possível aprender a conviver de forma não violenta com minha mãe?
Uma amiga me ligou falando que foi ao shopping comprar um presente para a sua mãe, mas que seu coração não lhe permitiu fazê-lo. Falou que só sentia ódio e ressentimento por sua genitora, entretanto, gostaria de transformar isso.
Perguntou-me: Será possível aprender a conviver de forma não violenta com minha mãe? Respondi que sim, e que desde já parabenizava-a por não fugir do problema, e, sim, enfrentá-lo pela busca de uma solução construtiva.
Então, solicitou-me que falasse sobre como percebia a sua mãe. Respondi que a admirava, porque ela tinha vindo muito pequena para o Brasil, de um país que tinha passado por uma guerra, e que foi uma pessoa que sempre trabalhou muito para sustentar a família, pois sua avó tinha problema de depressão, trouxe muitos traumas da guerra, e nunca aceitou o fato de morar no Brasil, vivia criticando tudo, era infeliz e insatisfeita.

Lembro também que sua mãe, por possuir sotaque, não gostava das brincadeiras que fazíamos na rua, sempre evitava as pessoas e não deixava ninguém se aproximar dela. Tinha dificuldade em estabelecer laços afetivos e vínculos sociais com os outros, desconfiava de tudo e de todos. Era uma pessoa muito fechada, mas sempre correta, honesta, leal, trabalhadora, era quem cozinhava, lavava, passava, arrumava a casa, a primeira a chegar na escola, a última a sair, a disciplina era seu nome, sempre cumpriu com os deveres da escola, e de sua casa.
Minha amiga ressaltou: ela me protegeu tanto dos outros, que eu tive dificuldade em me relacionar com as pessoas, pois me sentia inadequada, inferiorizada, com medo de chegar perto dos outros, achando que todos iriam ver os meus defeitos e, com certeza, não iriam me aceitar como eu era. Na adolescência, me decepcionei muito com ela, pois comecei um relacionamento com um usuário de droga, e ela me expulsou de casa. Então, eu fui morar com ele, só que não deu certo, porque ele abandonou o programa de narcóticos anônimos, e voltou-se para a auto piedade, sempre se achando o coitadinho, mentindo para as coisas mais simples, só fazia o que queria, não respeitava os horários e prazos no trabalho, não sabia obedecer, nem respeitar os seus superiores. Aliás nunca suportou disciplina, por isso não parava no emprego.
Então, decidi pedir à minha mãe para voltar para casa, mas só voltou o corpo, pois o meu coração não conseguia confiar mais nela, nem me aproximar emocionalmente, tinha medo de ser abandonada e expulsa de casa novamente.
Ou seja, como minha mãe me rejeitou, passei também a rejeitá-la. O meu pensamento era: se ela não sente amor por mim, porque vou sentir por ela? E o pior, é que aquele inferno de ódio que vi da minha avó na infância, só falando de guerra, traições, hoje vejo se repetir na vida que estou levando com minha mãe, porque não existe amor.
Ela é distante emocionalmente, fria, não consegue dialogar comigo, todo problema que tenho não posso contar com ela, porque só me critica, não me apoia, não me compreende, não me protege, e o meu desejo é sair de casa, mas tenho medo de não dar conta, e também não quero deixá-la sozinha porque ela tem pouquíssimos familiares aqui no Brasil, e os que têm moram em outras cidades.
Reconheça sua dependência emocional para transformá-la.
Minha amiga disse: quero contar para você outra coisa que vivenciei na nossa infância. Você se lembra daquela mãe que morava vizinha a minha casa, e tinha um filho deficiente? Falei que sim, e ela disse: eu morria de inveja dele, eu pensava: o que esse garoto faz para ter tanto amor e cuidado, pois é tão imperfeito. Eu ficava indignada quando via aquela mãe sorrindo, alegre, conduzindo aquela situação difícil de forma tão equilibrada. E, eu lembro que uma vez lhe perguntei, a senhora passa por algum tipo de preconceito, ela respondeu que sim, e eu a questionei: o que faz para superá-lo?

Ela me respondeu: aprendi a compreender a ignorância dos outros, além disso sou uma pessoa independente, não fico me preocupando com a opinião dos outros a meu respeito, pois ninguém conhece a minha luta, os meus esforços. Essa mãe era admirável, não?
Então minha amiga me perguntou: E você? Qual a mãe da nossa vizinhança que você apreciava? Respondi que tinha uma mãe que morava na outra rua, e tinha um filho muito doente, que não podia nem sair da cama. Ela sempre cuidou dele da melhor maneira possível, e quando saia para trabalhar deixava uma cuidadora, pois não tinha parentes que podiam tomar conta. Entretanto, quando saía para ir ao seu emprego, tinha um ritual: fazer uma oração de entrega do seu filho a Maria, Mãe de Jesus, pedindo que ela tomasse conta.
Tudo passa, não desista
Essa mãe dizia que tudo é transitório, tanto as coisas, como as pessoas, e que por isso ela sempre contou com a ajuda do pessoal que mora no céu, pois sabia que não estava sozinha, e que eles iriam enviar anjos pra socorrê-la e resolver qualquer situação. O que chamava a minha atenção, é que apesar dela vivenciar uma situação que fugia ao seu controle, ela sempre aceitava os acontecimentos com resignação aos desígnios divinos, não se vitimava e tinha esperança.
A minha amiga me fez outra pergunta: Você acha que essa situação com minha mãe pode melhorar? Respondi que sim, principalmente se você aceitar sua mãe como ela é, um ser igual a você cheio de imperfeições. Mas também, quando aprender a parar de cobrar, exigir do outro um amor, quando ele nunca aprendeu esse sentimento. Amor se aprende…. Como também aprendemos a valorizar, respeitar, apreciar, sem esperar reconhecimento, nem retribuição.
Disse-lhe: Sua mãe possui qualidades, você consegue ver a sua honestidade e outras virtudes? Não compare a sua mãe com as outras, ela tem a sua história e sofreu muito. Que tal começar a ampliar a sua mente para a compreensão, pois sua avó não pode dar atenção às necessidades de sua mãe, então, ela não teve carinho, atenção, diálogo, era só trabalho duro.
Peça a Maria, a doce mãe, que lhe conceda compreensão e coragem, pois foi uma mãe que sofreu ao ver as dores do seu filho mas, o entregou a Deus, pois sabia que ele estava em boas mãos. Quando seu filho foi para o mundo espiritual ela perdoou aqueles que a tinham maltratado, continuou cuidando dos famintos e doentes, e nunca deixou de fazer o bem. Ela seguiu em frente, com fé. Que possamos nos inspirar em seu exemplo, na sua solidariedade e força para não esmorecer frente às dificuldades. Ela ensinou que:
Rejeição se vence com humildade
Você diz que sofreu rejeição de sua mãe, mas você se lembra de nossa amiga de infância que foi rejeitada pela família simplesmente por abraçar outro segmento religioso? Ela era constantemente criticada por todos, porque era simples, enquanto seus familiares eram ambiciosos e fanáticos por perfeição estética. Mas, ela não quis perder a luz espiritual que verdadeiramente acreditava, e que a fortalecia. Ficou firme em seus valores, se dedicou ainda mais a sua crença, e viu que as críticas de seus familiares não a diminuíram como pessoa, pelo contrário, ela cada vez mais evoluiu e se iluminava. Aprenda com ela a não depender dos outros para ser feliz.
Essa moça que foi rejeitada, por fazer outra opção religiosa, descobriu os idosos que foram descartados por suas famílias, que se encontravam nos abrigos, e passou a protegê-los. Ela construiu sua vida com ações nobres e edificantes, perdoou seus familiares, casou, e, atualmente, está muito feliz com o seu esposo.
Todos somos ou seremos rejeitados. Portanto não fique se cobrando achando que deveria ter feito isso ou aquilo para agradar o outro, pois existem pessoas que por mais que você faça, eles simplesmente nunca saberão apreciar, pois o problema está neles, e não em você que está fazendo o bem.

Não se culpe, não seja exigente consigo mesma. Aprenda com o Não, com a Frustração, aprenda que relacionamento são duas pessoas fazendo tudo para dar certo, se é você que faz os 100%, tem falta de reciprocidade, portanto o errado não está em você.
Para ilustrar essa situação, vou contar um fato, de forma ética, sem mencionar nomes, de um atendimento psicossocial que participei. Lembro dessa criança, porque ela me olhou firme e disse: essa não é a primeira vez que tentam me adotar, o que faço para agradá-los e conquistar o seu amor? Contei para a criança a historinha de um pintinho, que errou o galinheiro e foi parar em outra casa, e que lá encontrou muitos cuidados… É claro que foram feitas outras considerações, mas é só para enfatizar que o esforço relacional é coletivo, existe todo um contexto social que precisa ser participativo, e não só uma pessoa fazendo de tudo para que as coisas aconteçam.
Assim, para ressignificar a rejeição de sua mãe, aprenda a se amar e não ser dependente do amor dela. Deus, não faz nada por acaso, e não é à toa que você e sua mãe estão juntas. Mas, como se aprende a amar? Sendo paciente com os erros, se esforçando para não deixar de fazer o bem, pois saiba que a dor da rejeição vai te ajudar a aliviar o sofrimento dos que passam pela dor do desamor. Ou seja, o que você queria que sua mãe fizesse por você, faça por ela: perdoe o seu abandono, o fato de não ter aceitado você, porque sua mãe nunca soube o que é o amor, então, não espere reconhecimento e valorização dela.
Eu sei que a oração de São Francisco não é fácil. Compreender sem ser compreendido, amar sem ser amado, mas é assim que se constrói um coração generoso. Não espere mudança da sua mãe, faça a sua parte. Aprenda a ser uma boa mãe para si, e seja solidária com a dor do próximo.
Feliz Dia das Mães!