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Participação, alternativa para a cultura de paz!

A participação da comunidade escolar e a gestão democrática nas escolas. “A escola invisibiliza o sujeito por meio de violências do cotidiano, microviolências e violências institucionais onde “esse jovem é despido dessa condição de jovem e ele se torna aluno” (Terçariol, 2019).
Festa de cores e cultura de paz, garota negra com rosto pintado
Festa de cores e cultura de paz, garota negra com rosto pintado

O que é a violência?

A partir de uma abordagem contextualizada, a violência é entendida como fenômeno social construído na relação entre as pessoas e se processa de forma a romper com códigos, convencionados por meio de acordo coletivo (Soares, 2018), forjando uma transferência dos poderes individuais a uma estrutura reguladora que busca estabelecer um suposto equilíbrio entre os sujeitos. O Estado liberal contemporâneo adquire, então, o monopólio da violência como forma de controle social. Nesse sentido, é possível afirmar que a coerção estatal é produzida por um conjunto de dispositivos nos quais a classe dominante detém e exerce o “monopólio legal” da violência, opera aparelhos coercitivos, comumente ligados às forças policiais, porém outras instituições sociais representam papel semelhante. É o caso das instituições de ensino.

Sobre a violência escolar

A escola, se coloca como uma instituição de socialização secundária por excelência: é “responsável por introjetar no indivíduo as normas sociais, legais e de comportamento” para “prepará-lo para as duas etapas sociais seguintes, o trabalho e o Estado” (Porfírio, [s.d.]). Há uma predominância da utilização de contingências aversivas para realizar esse condicionamento comportamental nas crianças dentro do ambiente escolar (Rodrigues, 2012). 

Foucault (1926-1984) já apontava as semelhanças no tratamento dado aos grupos nos limites do espectro social, nas quais se aplicam a disciplina e as instrumentações de dominação e controle, numa visão clara do homem-objeto. Suprimir e domesticar comportamentos divergentes deu às instituições a possibilidade de condicionar o corpo e a mente e a arquitetura escolar faz parte dessa estrutura, reproduzindo o mecanismo de controle por meio da punição às crianças (Foucault, 1987). A escola invisibiliza o sujeito por meio de violências do cotidiano, microviolências e violências institucionais onde “esse jovem é despido dessa condição de jovem e ele se torna aluno” (Terçariol, 2019).

Para além dessa violência institucional, os conflitos interpessoais aparecem como um dos maiores problemas que a escola enfrenta. Segundo Telma Vinha, tal violência emerge na relação professor-aluno, de maneira verticalizada ou nas relações horizontalizadas, entre os estudantes, sendo o bullying a prática mais comum e conhecida.

Ao enfrentamento dessas múltiplas violências escolares orienta-se a criação de programas sobre convivência e violências nas escolas. Por meio da participação, voz ativa e intervenção da comunidade escolar, o trabalho ocorre para que se possa entender a escola como núcleo territorial, como ambiente de diversidade que é passível a problemas de convivência e, por isso, a necessidade de se elaborar um plano de ação que considere o contexto.

Nesse espaço, os problemas de convivência são múltiplos: as incivilidades são “atitudes que ferem aquilo que é esperado por uma boa educação”; a indisciplina depende da relação professor-aluno, pois está ligada ao fazer pedagógico e a transgressão ocorre quando há o não cumprimento ou desobediência às regras estabelecidas. Se temos condutas de incivilidade é recomendado o levantamento entre os professores de quais são as ocorrências mais comuns ou as mais incômodas. Nesses casos, é necessário que se estabeleça uma coerência e se planeje coletivamente intervenções visando uma melhor qualidade da convivência. Para a indisciplina, o objeto é a ruptura do contrato de aprendizagem, e se mostra necessário o estabelecimento de um novo contrato (Vinha, 2017). É importante que a escola não estabeleça uma mesma sanção para as diferentes ocorrências, posto que as regras morais são indiscutíveis, mas as regras convencionais podem ser revistas. 

Em uma escola que visa a autonomia, a obediência ocorre, pois se compreende o porquê daquela regra existir e na falta de compreensão, há espaço para o questionamento (Vinha, 2017). Se propõe ainda a criação de um clima escolar que adote uma cultura de paz, que não significa, de forma alguma a ausência de conflito:  

“Uma cultura de paz implica um processo de resolução do conflito que é respeitoso, que é dialógico, que considera tomada de perspectivas […] É por meio do conflito que eu obrigo o outro a argumentar, a me ver, a se enxergar e enxergar naquele coletivo (Vinha, 2017).”

Mais importante do que as causas que levam a um aumento da violência dentro do ambiente escolar, é a forma como a escola lida com os conflitos: a ação é comumente coercitiva, por meio do elenco de procedimentos estabelecidos por normas que são seguidas para inibir a violência através da sanção ao estudante: aplicação de advertências, suspensões, transferência e até expulsão da escola. As taxas de evasão escolar entre crianças e adolescentes do Ensino Fundamental atingiram um recorde histórico em 2024 (Silva, 2024) e cabe à escola garantir a permanência dos estudantes na educação formal e não apresentar, como imediato mecanismo de coibição, o distanciamento desse estudante do ambiente escolar.

A militarização das escolas como resposta à violência

Diante da divulgação pela mídia de casos de violência nas escolas nos últimos anos, a primeira reação do poder público foi instituir a militarização das escolas, com gestões cívico-militares.  Tem se estabelecido o caminho inverso ao que se pretende combater, tratando os alunos mais como “delinquentes em potencial” do que como indivíduos em formação, “que assim merecem ser considerados e respeitados, deve a escola cumprir a lei e abrir suas portas à comunidade […]” (Diácono, [s.d.]).

A escola como ambiente disciplinarização está associada o modelo tradicional de ensino e se apresenta como um dos pilares da cultura escolar, que com ou sem a militarização, é aplicado desde o século XVIII e define que o aluno “está preso a um verdadeiro sistema militar, que o leva a agir somente mediante uma ordem e a submeter-se a um condicionamento destinado a torná-lo um cidadão dócil e obediente” (Bastos, 2011). Concepções teóricas de autoridade e hierarquia são elementos que constituem a cultura “construída na interação cotidiana, definindo formas diferenciadas de participação nas escolas” (Silva, 2001), o grau de participação nas escola define o que será entendido como um processo de construção da cultura escolar (Silva, 2001). 

Fica claro que a solução da problemática se relaciona, não com uma fórmula amplamente aplicável, mas com a compreensão da realidade social, do contexto em que a escola está inserida e isso não pode se dar de outra forma, senão com a abertura da escola à participação daquela comunidade (Diácono, [s.d.]).

Gestão democrática das escolas

A participação e a gestão democráticas fazem da cultura escolar “resultado de um processo interativo” (Silva, 2001) e não só é apontada como uma alternativa para a diminuição da violência escolar, como tem base legal. O Art. 14, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN – Lei nº 9394/96), define as normas da gestão democrática na educação básica e estabelece a participação não só dos profissionais da educação como da comunidade escolar e população local (Brasil, 1996) com a instituição de Conselhos Escolares e de Fóruns dos Conselhos Escolares (Lei nº 14.644/2023), órgãos deliberativos que buscam garantir o efetivo processo democrático nas unidades educacionais e se aplica na busca por soluções aos problemas que afligem a escola e os alunos, dividindo “as responsabilidades, tarefas e encontrará respostas mais criativas, adequadas e acima de tudo eficazes” (Diácono, [s.d.]).

A gestão democrática, ao compartilhar a responsabilidade da educação da juventude entre escola, família e comunidade, abre a possibilidade da convivência entre crianças e adultos, ampliando os saberes e conhecimentos a serem partilhados para além da escolarização formal. Nesse contexto, ainda é explicitado que essa dialógica relação “entre escola e comunidade seja indiscutivelmente um benefício para a educação das crianças” (Azanha, 1991).

A construção de um clima de convivência democrático, plural, inclusivo e pacífico é um desafio para a organização escolar, mas a escola “agora deve transitar para o poder compartilhado, para igualdade de todas as pessoas, […] para paz” (Torremorell, 2021). Mas há uma despreocupação e a falta de investimento em convivência afeta diretamente o clima das relações e da escola.

Em oposição à alternativa transformação das escolas em verdadeiras “fortalezas”, cada vez mais distantes da sociedade que deveriam ajudar a formar e transformar, as mudanças devem ser realizadas com a apresentação de alternativas à hierarquização e “agora deve transitar para o poder compartilhado, para igualdade de todas as pessoas, sem exceção, e para paz como uma do justo viver”:

“O ambiente escolar democrático deriva da participação ativa e real de todos os membros da Comunidade Educacional ao começar pelos meninos e pelos meninos que todavia constitui a grande maioria silenciosa.  O corpo discente deve ter voz e capacidade de decisão em tudo que atinja problemas educativos, organização do grupo, uso do tempo e do espaço, avaliação, etc. (Torremorell, 2021)”

Grêmios estudantis e a participação dos estudantes

A (não) participação das crianças e jovens “e suas articulações com as instituições […] especialmente a escola, é atualmente um dos temas mais expressivos nos estudos educacionais e sociológicos da infância” (Sarmento, 2005 apud Tomás, Gama, 2011), demonstrando que “torna-se cada vez mais urgente e necessário ouvir as crianças relativamente à sua ação e agência no espaço social onde passam mais tempo: a escola” (Tomás, Gama, 2011). A participação efetiva dos jovens na elaboração e execução de propostas educativas é necessária para a superação das violências escolares (Terçariol, 2019), sem que o componente da cultura incorpore a violência ao “universo dos alunos” (Diácono, [s.d.]).

A identificação das crianças como atores sociais com direitos, “um sujeito sócio-histórico dotado de peculiaridades e que, em contato com o meio, é impulsionada à aprendizagem” (Pereira; Deon, 2022). No entanto, as escolas seguem tomando a criança como um receptor passivo, desconsiderando não só o que é pautado desde o início do século XX, com o construtivismo sequencial de Piaget (1896-1980), mas também os contextos sociais e culturais onde essas crianças estão inseridas (Pereira; Deon, 2022)

A organização estudantil estimula a autonomia dos estudantes e o diálogo para a tomada de decisões, sendo incentivamos a desenvolver competências para a consolidação de uma convivência harmônica no ambiente escolar e estimulando a inserção dos discentes na gestão democrática. Os estudantes são historicamente grandes atores das lutas por direitos humanos e sociais, em defesa da educação e o Grêmio Estudantil é um importante estímulo à participação social e à aprendizagem de conceitos democráticos. 

Reitera-se que os estudantes “são na imensa maioria das vezes as verdadeiras vítimas” dessa violência que se pretende reprimir” (Diácono, [s.d.]), e é urgente que se inclua a violência institucionalizada dentro das instituições de ensino e legitimada pelo sistema educacional.

Participação: uma alternativa para a cultura de paz 

Tendo a compreensão da violência como um fato social e da escola como instituição de socialização, é imprescindível que através da participação de toda a comunidade escolar, alternativas sejam buscadas para a utilização dos reforços negativos para os casos de violência escolar de modo a promover a formação cidadã, uma educação que reitere os direitos humanos e sociais das crianças e jovens e não se limite à tentativa do condicionamento comportamental nas crianças dentro do ambiente escolar:

“Cabe à escola, a partir de suas normas de convivência, desenvolver seus alunos em busca de uma cultura de paz, que não admita a violência como forma de resolver conflitos, enxergando no diálogo a ferramenta principal de mediação (Bes, [s.d].).”

Ações de caráter formativo para discentes, docentes e famílias, realização periódica de seminários de conscientização dos direitos e deveres dos estudantes, a fim de ministrar lições básicas sobre direitos constitucionais, legislação, ética e cidadania (Diácono, [s.d.]) isso somado ao estabelecimento de parâmetros da relação professor-aluno são condutores para a prevenção de comportamentos violentos.

O combate à violência nas escolas requer o envolvimento da comunidade, com sua integração cada vez maior ao ambiente escolar e participação efetiva no debate acerca dos problemas relacionados à escola, compreendendo que, ao abarcar um conjunto heterogêneo de expressões e práticas das juventudes, haja um esforço coletivo de não reiterar a invisibilização dos sujeitos através de violências cotidianas no espaço educacional.

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Marcella Garritano Rodrigues Paiva

Graduanda do quarto período de Licenciatura em História e também pelo Centro Universitário de Brasília - CEUB, estudante em Arquitetura e Urbanismo. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo em Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social, através da atuação no Projeto de Extensão Morada de Luz (2019-2022). Aptidão à temas relacionados ao Direito à Cidade e à Moradia Digna, pela Clínica de Direitos Humanos - Eixo de Direito à Moradia (2020-2022).

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