Internet: as expectativas iniciais
Inicialmente, a internet surgiu para facilitar a comunicação no período da guerra fria, facilitando a adoção de estratégias de defesa e ataque por quem se encontrava distante geograficamente. Já a internet comercial despontou, com amplo acesso ao público, trazendo consigo expectativas de acesso à informação relevante, à divulgação de conhecimento e à possibilidade de interação e comunicação educacionais. Não tardou muito, porém, para que se percebesse que ela tomaria uma amplitude muito maior. Passou a dominar mercados e a influenciar mentalidades. As pessoas se tornaram produtoras de conteúdo de uma hora para outra e logo compreenderam que não havia filtros. Livres para divulgar o que quisessem e como quisessem, os internautas tomaram para si um poder que ninguém esperava. Em meio à avalanche de informações disponibilizadas, eclodiram as big techs e suas redes sociais que possibilitaram manipulação, engajamento e interação social, mas de qualidade questionável. Importante salientar que o mundo não estava pronto para tamanha disrupção, não contanto inclusive com legislação pertinente que alcançasse o que acontecia na realidade virtual. No tocante aos problemas trazidos pela falta de regulação, expandiram-se as possibilidades de golpes financeiros, disseminação de fake news, discursos de ódio, julgamentos virtuais e, consequentes, cancelamentos e violências.

Nem só de problemas vive a internet
À revelia dos problemas anteriormente apontados, é indiscutível os benefícios que a internet trouxe para o cotidiano das pessoas no mundo inteiro. São muitos os exemplos de atividades que podemos realizar de qualquer lugar e a qualquer hora, dentre eles as movimentações bancárias, compras, pagamentos, uso de aplicativos de mobilidade urbana, entre outros. Não se pode desconsiderar as possibilidades de comunicação que foram enormemente ampliadas por meio das redes sociais, o que envolve não só a comunicação pessoal como a comunicação comercial. Para além das questões cotidianas, hoje a aprendizagem com a utilização de recursos mobile em que cursos inteiros, sejam eles livres, de graduação ou de pós-graduação, podem ser realizados com a utilização de celulares em espaços e tempos extremamente flexíveis. No âmbito do trabalho, temos a possibilidade de trabalho remoto ou híbrido que tem sido adotado por inúmeras organizações, além das possibilidades de e-learning abertas no campo corporativo e que permitem a formação em rede de funcionários espalhados por todo o mundo. Essa conectividade trouxe ainda a democratização da indústria cultural que possibilita a revelação e a divulgação da arte como nunca visto antes.
O poder de manipulação das big techs
Vemos, sem qualquer estupor, a postura de Elon Musk em relação ao Brasil e ao confronto que intencionalmente estabeleceu com o nosso judiciário, corporificado na figura do Ministro Alexandre de Moraes. Chama atenção especial a inconveniência de tais ações em um momento de tanta polarização política no país. Nesse contexto, há que se considerar o potencial para desestabilizar o país em favor de interesses os mais diversos. Percebe-se nitidamente uma postura diversa da que normalmente adota de acatar decisões regulatórias de outros países, como acontece na Índia ou em países da União Europeia. Dono do X (antigo Twiter), Musk detém uma potente ferramenta comunicacional e política capaz de influenciar milhões de pessoas em torno de suas ideias conhecidamente alinhadas com a extrema direita. A despeito de qualquer ideologia que adotemos, posto que este não é o ponto de discussão que ora trazemos, mais do que nunca fica evidente o poder da internet na manipulação das massas, dada a possibilidade de atingir milhões de pessoas, convencendo-as de qualquer coisa, com rapidez e baixo custo.

A essa competência de dominar a leitura e a escrita desses novos textos é que chamamos de multiletramento
O desenvolvimento da internet trouxe para o contexto social o retorno aos gêneros discursivos escritos que vinham sendo abandonados pelo caráter visual disseminado pelo uso da televisão. No entanto, com a evolução das tecnologias digitais de informação e comunicação, desenvolveram-se também gêneros discursivos multissemióticos, com a utilização de recursos múltiplos a gerar significados em seu conjunto, quais sejam: palavras, imagens, gráficos, sons, links. A leitura destes textos traz em seu escopo a necessidade de compreensão desses recursos e dos sentidos que produzem. A essa competência de dominar a leitura e a escrita desses novos textos é que chamamos de multiletramento. Dessa forma, ao remetermos à manipulação, estamos nos referindo a pessoas que se tornaram meras consumidoras das ideias transmitidas por alguém que domina a arte de produzir conteúdo “relevante” para o seu público, posto que, não raras vezes, deparamo-nos com a incapacidade desse mesmo público de apreender profundamente as intencionalidades comunicativas presentes naqueles enunciados.
Assim, devemos considerar a necessidade de formação, seja por meio da educação não-formal (promovida tantas vezes em projetos sociais os mais diversos) ou por meio da educação formal, para a apropriação das tecnologias digitais em suas possibilidades em práticas sociais de uso de tal discurso. Para tanto, é fundamental entender que o conhecimento implica realizar a curadoria das informações, classificando-as, analisando-as e contextualizando-as. Ou seja, é preciso repensar as possibilidades de inclusão plena nessa cultura digital, considerando ainda a diversidade cultural em que estamos todos inseridos. Os usuários dessa grande conexão comunicativa precisam, portanto, da orientação e do apoio necessários para que se tornem aptos a pesquisar, publicar e interagir na Internet com segurança, de forma crítica e autônoma, nos seus mais diversos espaços de atuação.

Consciência digital: uma questão de educação
Para além das questões de manipulação, abordamos ainda a questão das violências perpetradas nos ambientes virtualizados da Internet, especialmente, nas redes sociais. Devemos compreender, no que toca a esse tema, que estamos diante de um grave risco social em que se quebram as normas mais básicas de um contrato civilizatório minimamente aceitável. Podemos aqui afirmar que as violências, em suas diferentes manifestações, sempre existiram, mas não há como fechar os olhos para a sua capacidade de propagação por meio dos avanços tecnológicos. Precisamos, dessa maneira, encarar o fato de que as redes sociais apenas amplificam os comportamentos já existentes, potencializando-os. No que tange à ampliação desse comportamento violento nas redes sociais, chama atenção ainda a ideia de que o pseudo-anonimato, de alguma forma, garante a impunidade.
O caminho a ser trilhado deve, assim, passar por um rigoroso marco regulatório da internet, que permite compreender, localizar, coibir tais violências contra quem quer que seja. O ciberespaço não pode ser terra de ninguém e as pessoas precisam ser educadas nesse sentido. E todos precisam ser educados para a não violência; para a superação do uso ingênuo de redes sociais e para uma convivência social saudável que não empurre as pessoas para um mundo de fantasias em que tudo é permitido.

É crucial, em síntese, investir na formação de sujeitos que saibam lidar de maneira ética, em ambientes virtuais, como reflexo de valores pessoais internalizados, com autonomia, responsabilidade, solidariedade e respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades. Por fim, fazer com que a internet volte às suas origens no que tange às expectativas geradas quando de seu surgimento.