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Trajetória do choro em Brasília

No começo, as interações sociais movidas pela música, havia saraus e reuniões, as quais contavam com a bondade dos novos moradores da região central de Brasília, que organizaram os eventos e convidaram os músicos recém chegados, onde a troca de saberes musicais era o motivo principal de contato entre as pessoas!
Clarinete e partitura musical
Clarinete e partitura musical

O surgimento e consolidação do choro na capital federal

A construção da nova capital em Brasília foi o início de grandes transformações no cenário social, político, econômico e cultural do Brasil, fruto do processo de interiorização e modernização do país. Dadas as novas circunstâncias sociopolíticas da época, o desenvolvimento sociocultural da cidade em construção ficou a cargo de artistas já consagrados em seu meio, principalmente, o choro. 

No começo das interações sociais movidas pela música, havia saraus e reuniões, as quais contavam com a bondade dos novos moradores da região central de Brasília, que organizavam os eventos e convidavam os músicos recém chegados, onde a interlocução musical era o motivo principal de contato entre as pessoas que passaram a frequentar esses espaços de particulares. Nesse momento, estava em cena um dos maiores chorões de todos os tempos na região da capital que estava sendo construída, que era o notório Heitor Avena de Castro, citarista brasileiro da música erudita e popular. Na sua qualidade de intérprete, compositor e arranjador, parte da biografia deste músico se relaciona diretamente com o desenvolvimento do cenário brasiliense de choro.

Em anos posteriores ao advento de Brasília, surge outra importante figura para a resistência e a garantia de posteridade do choro, conhecido como é Reco do Bandolim, integrante à frente do Choro Livre e atual presidente do Clube do Choro. Sua contribuição está principalmente no fato de ter revitalizado o Clube e ter idealizado a construção de uma sede definitiva para a Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello. No que tange à análise da roda de choro, será pautada sobre o conceito de ordem musical, o qual considera os espaços fundamentais

da prática de choro como sistema cultural. Sob o prisma da roda de choro como uma matriz de endoculturamento e aprendizado com música feita no contexto urbano, aprecia-se o desenvolvimento da interação social e de matéria cultural. Percebe-se, que nos lugares de choro, há como parte constituinte das rodas a disputa por respeito e por prestígio entre músicos que, por uma diversidade de práticas, demonstram suas habilidades.

O choro e as questões de gênero e raça

Na medida em que as dinâmicas sociais são formadas passando por um refazimento de si e de sua atualização enquanto prática e fenômeno, a sociabilidade vai encontrando seus meios de integrar os agentes da participação do sistema cultural em vigência, ou seja, como o indivíduo está ligado à roda de choro no meio social em que ele se insere. Sob a perspectiva do gênero, entende-se que há fatos sociais muito bem definidos nos espaços de atuação do choro, os quais são normativos e produzidos predominantemente por figuras masculinas. Isso posto, sob a égide do modelo ocidental de socialização, não se pode separar a definição do papel de gênero que atravessa a ação dos indivíduos em que desprivilegia mulheres e torna sua participação em rodas precarizada. Deste modo, mantém-se o feminino escasso como agente ativo desse fazer musical, mesmo que seja assunto recorrente nas composições: o feminino alcança o papel de tema e não de sujeito participante. Contudo, apesar dos limites impostos, histórias e biografias de outras mulheres que se destacaram no passado ou se destacam no presente no meio do choro servem de inspiração às gerações femininas vindouras.

Por conseguinte, a discussão privilegia a perspectiva técnica do corpo como forma de prosperar uma tradição musical, buscando ao máximo seu fortalecimento perante ao tempo e à falta de divulgação. Pois, ao considerar o valor histórico e musical do choro como música urbana de origem negra, vemos que a sua perpetuação é movida por seus praticantes Brasil afora, que vão de encontro ao mainstream. Sendo assim, para integrar-se ao meio do choro como instrumentista que pretende participar de rodas ou fazer apresentações, é necessário que o indivíduo desenvolva um repertório. Segundo o que consideram chorões com maior experiência, saber no mínimo os clássicos e o repertório base das músicas do seu instrumento é de suma importância para desenvolver-se como chorão.

Dessa forma, tanto a técnica quanto à execução são vislumbradas nos estilos de tocar de grandes nomes da música, os quais estabeleceram novos paradigmas para a interpretação, a composição e o arranjo.

Já com relação à matéria do improviso, não há de fato uma definição estanque que abarque sua totalidade. No entanto, pode ser vista como uma forma de tocar que leva em consideração uma variação melódica, onde não há mudanças na estrutura da melodia tampouco do ritmo. Logo, acerca da aplicação do improviso, existem pontos de contradição internos entre os músicos mais versados que são impostos como certa obrigatoriedade para aqueles que querem se fazer notar. Esse princípio foi executado pelos baluartes com técnica de maior visibilidade e reconhecimento, bem como pelos chorões considerados seus seguidores e perpetuadores de sua obra. Nesse meio, a performance é constituída pela execução técnica e avaliada a partir da expressão desta. Dessa forma, tanto a técnica quanto à execução são vislumbradas nos estilos de tocar de grandes nomes da música, os quais estabeleceram novos paradigmas para a interpretação, a composição e o arranjo. 

Salienta-se, dessa maneira, que as diferentes sociabilidades que convergem nos espaços onde há manifestação da prática cultural do choro estão associadas a uma ordem musical de cunho social. Desse modo, há diferentes perspectivas narradas sobre como acontece a roda de choro seguindo uma etiqueta, uma ética bem como regras de composição de instrumentos na roda. Ainda no sentido da ordem musical como elucidação do encontro de várias narrativas culturais, percebe-se que a cosmovisão individual se encontra no coletivo e vice-versa. Isso quer dizer que o modo de se relacionar com outros participantes da roda está enviesado por uma visão concebida como fator externo da roda de choro segundo o que é percebido por exemplo nas relações de gênero envolvendo a desigualdade entre homens e mulheres que atuam no meio. De fato, o que se percebe é que os indivíduos masculinos adotam posturas e comportamentos diferentes a depender do gênero da pessoa quando tratam a matéria do choro.

Eventualmente, homens assumem a posição de mestres ou grandes conhecedores que se permitem ao juízo de valor pelo trabalho feito por mulheres com a intenção de deslegitimar práticas musicais femininas mesmo que não seja declarada essa vontade. Esse objetivo desagregador é reforçado como elemento negativo da roda quando a posição de legitimador não se supre pelo meio e o corpo masculino demonstra surpresa ou alguma comoção insalubre. Afinal, a autocrítica é o bastante na medida que a percepção de si no meio se aguça e onde a educação e o companheirismo podem ou devem ocorrer. Vale ressaltar que visualizar o elemento negativo é dever de todos com a devida adequação dos diversos marcadores sociais principalmente de origem, de cor, de gênero, de idade entre outros. 

O choro e as suas territorialidades no Planalto Central

Sobre os caminhos possíveis de ser inserido no meio musical, o choro é vivido como uma atividade de enobrecimento e engrandecedora do ponto de vista cultural. Na medida em que se percebe o desenrolar das rodas como o desenvolvimento do indivíduo, constituído de toda a sua complexidade, torna-se possível analisar a roda como fato social que é atravessado pela emergência da diversidade de sociabilidades. Segundo essa visão de que o choro se dá por meio de reuniões de pontos de vista e de perspectivas musicais integradas, vemos que desde o início da difusão do choro em Brasília, as reuniões se faziam primordialmente em função da cordialidade entre os chorões.  

Nessa medida, podemos ver nisso um ponto positivo de integração que ocorria no passado que pode ser resgatado para manter o choro vivo como tradição na cidade, sendo feito o caminho contrário a que hoje se percebe no meio que é de grande centralização e de manutenção de privilégios, principalmente quanto ao sentido geográfico. Basta fazer uma pergunta simples para que percebamos esse cenário: onde ocorre a maioria das rodas de choro no Distrito Federal? Qual o motivo de ser assim? Sabendo dessas variantes, podemos falar que há cordialidade nos encontros? São perguntas que ficam para os praticantes de choro das diversas localidades do Planalto Central para que venham mais reflexões sobre a integração entre diferentes regiões nas cidades satélites em torno de Brasília.

Assim, é fundante compreender que há diferentes trajetórias e que pessoas comuns podem ser extraordinárias nos seus contextos e que o espaço do choro não deve estar somente respaldado pelos baluartes e artistas consagrados. De fato, podemos apreciar o choro e suas diversas formas de existir e estar em diferentes espaços, fazendo deles lugares da cultura no sentido de existir com especificidade e qualidade própria, autônoma e, acima de tudo, viva. Outrossim, tal afirmação vai ao encontro da ideia de descentralização das práticas culturais do choro para uma diversidade maior de pessoas e lugares que busquem integrar novas possibilidades de interpretação artística e de avivamento de outras ordens musicais ainda não conhecidas e difundidas no território. Portanto, a territorialidade influencia diretamente sobre a ordem musical vivida e construída coletivamente tanto na sociabilidade que trazem novidades criativas quanto no repertório que se desenvolve autonomamente naquele lugar de cultura como uma abertura a diferentes possibilidades e interpretações.

Prova de que o trabalho minucioso desde os anos 60 deu certo, foi que após anos buscando maior representatividade e intervenção institucional ativa para divulgação e difusão do choro em território nacional e no mundo, o choro foi reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como patrimônio imaterial do Brasil, inscrito nos livros de expressões.

Sabe-se que os antigos deixaram a nós uma herança de fazimento da cultura, cunhando o choro como gênero brasileiro em contexto de uma brasilidade urbana e de origem negra. No contexto de Brasília, a imagem do choro vai ao encontro do nascimento da cidade e dá brilho a um lugar em construção que não tinha muitos meios de socialização. Os encontros nas casas de chorões, que aconteciam informalmente, por outro lado, se transformam, tornando o espaço antes particular em instituição de ensino e lugar de apresentação para artistas diversos. Essa semente do choro em Brasília foi de grande valor para a posteridade onde se alçaram voos ainda maiores pelo legado em que se construiu a partir desses encontros de pequenos grupos. Além disso, deixaram uma grande herança cultural que agora, décadas depois, floresceu e deu frutos a partir do esforço das gerações antigas que cultivaram nos jovens a riqueza cultural do choro. Prova de que o trabalho minucioso desde os anos 60 deu certo, foi que após anos buscando maior representatividade e intervenção institucional ativa para divulgação e difusão do choro em território nacional e no mundo, o choro foi reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como patrimônio imaterial do Brasil, inscrito nos livros de expressões. Isso em larga medida, traz a música brasileira ao lugar do interesse público, de investimento e cuidado com a memória, em que é reconhecido seu valor histórico, sua herança cultural e, assim, começam novos projetos para expandir seu legado pelo território nacional.

No afã de exemplificar e falar sobre individualidades no choro que trouxeram grandes contribuições atemporais para a música, cite-se como um dos maiores de todos os tempos, Waldir Azevedo. Ademais, vale ressaltar que sua genialidade só tem sentido próprio quando a percebemos na sua relação com o coletivo, na medida em que suas composições são legados históricos e culturais que não se encerram em si mesmos ou somente na personalidade do Waldir, mas que são estatutárias de uma identidade nacional pela qual foi manifestada por esse grande artista. Desse modo, ainda que seja um chorão consagrado e que esteja no escopo de maiores sucessos comerciais da música brasileira de todos os tempos, pode ser visto em sua biografia que o autor de ‘brasileirinho’, ‘delicado’, ‘vê se gostas’ e muitas outras faixas, estava interessado no povo brasileiro, na construção de uma identidade musical e de nacionalidade do Brasil. Tal fato, é percebido na origem humilde de Waldir que traz na sua música uma nova forma de compor e tocar que se deu a partir de inovações inerentes a sua criatividade moldada ao seu contexto sociocultural, que para ser possível, precisou refazer, por exemplo, os papéis estabelecidos até o momento para o cavaco e a formação dos regionais. Waldir foi uma nova percepção da ordem musical, a prova que descentralizar a prática musical pode dar muito certo e que a inovação pode ser benéfica para o cenário musical, que no caso, nunca mais foi o mesmo. 

Deste modo, os pontos suscitados aqui se inter-relacionam e são partes de uma unidade que visa contribuir com um pensamento de ordem musical ou musicológica que está circunscrita à seara de tocar choro, ouvir e ser ouvido e, acima de tudo, demonstrar que há sempre novas possibilidades e que o choro não se encerra em nenhum tempo, lugar ou agência.

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Matheus Bessa Freire Rolim

Bacharel em Antropologia pela Universidade de Brasília (UnB). Violonista e Cavaquinista, estudou na Escola de Música de Brasília (EMB) e na Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello (EBCRR). Professor de Artes Marciais para crianças no projeto social Sandokan em Jataí (GO), sendo graduado faixa roxa de Judô.

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