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Neutralidade estética: inocência da indústria cultural

Neste texto pretendo abordar a dificuldade cada vez maior que sinto de conhecer as expressões da musicalidade de cada povo, e a relação disto com a indústria cultural, e em especial a Indústria fonográfica
Pintura corporal estética
Pintura corporal estética

A Música de cada lugar

O meu trabalho como músico me oportuniza conhecer alguns países, em alguns continentes. E como é natural no modo como nós humanos organizamos nosso pensamento, vamos estabelecendo o “conhecimento” destes lugares por comparação: vamos organizando as memórias das observações que vamos fazendo, comparando-as com memórias de observação de outros lugares e tempos. Aprendemos e lembramos assim: por analogia.

E como sou músico, entre os traços culturais que estão à frente da minha observação dos lugares, claramente a música de cada lugar me interessa particularmente, e nela, ou por ela, a minha atenção se liga em primeiro lugar. Os sons de cada lugar me dizem sempre muito das construções cognitivas, das escolhas e atitudes tomadas em relação à tessitura social, à relação com a natureza, ao modo como o mundo é visto.

Neste texto pretendo abordar a dificuldade cada vez maior que sinto de conhecer as expressões da musicalidade de cada povo, e a relação disto com a indústria cultural, e em especial a Indústria fonográfica, suas “preferências” e a forma como isto se relaciona, inclusive, com as produções locais de arte e cultura, e as formas de sobrevivência das populações artísticas de cada lugar.

Incômodos incomuns

Vou começar a desenvolver esta reflexão a partir de uma estória pessoal que imputo bastante incomum, quase exótica, mesmo.

Em todos os lugares onde passo é quase “obrigatória” a presença em todos os espaços públicos (bares, restaurantes, rodoviárias, aeroportos…) uma “música ambiente” que quase  invariavelmente é um rock, quase sempre norte-americano…

Assim foi que estava na Itália, mais precisamente em Gênova, e tinha compromisso em Milão, onde tocariamos eu e Elení, minha esposa (e tocamos) na Casa de Cultura “Art Mall”, uma casa que é bar, Galeria de Artes e Casa de Espetáculos! Um espetáculo! Milão fica a aproximadamente 2 horas de carro de Gênova, e dadas as opções de tempo e transporte disponíveis, resolvemos ir de táxi.

Assim que entramos no carro o motorista, como acontece em todo lugar, já disparou um “Rock”, Beatles, se não me engano. Como era assim em todo lugar eu já disse logo de cara pro condutor: meu amigo, você não tem música italiana pra tocar, deixa em silêncio, porque quando eu quiser ouvir Beatles, eu vou à Liverpool!”

O motorista (Marcelo), muito simpático, ficou assustado, e replicou: “Meu senhor, aqui não tenho música italiana, mas tenho música Genovesa… Pode ser?”. Eu gritei: “mas é exatamente isso que eu quero!”

E aí, um outro mundo, um outro universo de possibilidades se abriu pra mim, pra nós! O Marcelo pôs pra rodar “Creuza di Má”, de Fabrízio De Andrè, um compositor italiano (Genovês) que gravou um álbum com este nome todo em língua dialetal Liguriana, o tal “Genovês”! Uma música encantadora, a que eu nunca teria tido acesso se não tivesse me recusado ao óbvio Eu e minha esposa incluímos aquela canção, e muitas outras de “Fabber” (apelido de Fabrízio De Andrè) ao nosso repertório. Tudo porque “saímos do normal”, do que pra nós como sociedade se tornou mais que normal, se tornou “esperado”, “desejado” mesmo…

O caminho de Gênova para Milão foi curto. Escutei muitas vezes essa mesma canção, e várias outras que compõem o álbum. Um deleite!

Antes que alguém diga o óbvio: é claro que eu gosto dos Beatles. Mas tenho certeza de que a Música do Mundo não se resume a eles. Ou à “Rock’n Roll”. E nem só pode ser cantada em inglês!! Mas se qualquer pessoa chegar a uma escola pública e pedir para uma criança desenhar instrumentos musicais, seguramente mais de 80% desenhará guitarras, baixos, baterias, teclados… Uma pasteurização estupefaciente do imenso universo das possibilidades musicais humanas.

Arte e Cultura que unem e distinguem

Então, chegamos ao ponto central desta discussão, e farei aqui um apontamento com base nesta experiência particular, mas que tem se repetido muitas vezes, com variações de geoposicionamento, intensidade e nomenclaturas.

Quanto mais observo o mundo que enfrenta as guerras mais cruentas e sanguinárias, as crises ambientais mais violentas e imprevisíveis, os dramas sociais mais sórdidos e injustos, maior é a minha convicção de que o modo de produção que usamos, baseado no lucro, é insano e perigoso, e pode nos levar à “auto extinção”

E pra mim parece óbvio também que o que  se aplica às “leis naturais” (ao clima, ao meio ambiente) também se aplica ao ambiente cultural em que estamos inseridos, e que temos dificuldade em observar, como peixes que não conseguem perceber, classificar, explicar “a água” onde vivem…

A indústria fonográfica ao longo de décadas de propaganda intensa construiu essa noção de “normalidade”, e instituiu que “se trata de gosto pessoal” as facetas apresentadas ao grande público da arte produzida por nós, humanos. O lucro como única medida deu, a uma construção cultural e social,  o aspecto de “natural”… Assim, é “natural” que os jovens (ou os que se sentem jovens) gostem de Rock, e consumam, produzam, veiculem essa música como um movimento “natural” da sociedade.

E assim como no “mundo da natureza” as consequências do “lucro a qualquer custo” podem ser uma ameaça à sobrevivência da espécie humana no planeta, acredito que esta homogeneização da percepção artística tem acumulado danos às mais diversas camadas da Psique humana, sem que nos tenhamos dado conta da “extensão do dano”, ainda…

Hoje, se um de nós for à Portugal, ao Senegal, à Itália, à Bombaim, à Tóquio, provavelmente ao entrar em um estabelecimento comercial (supermercado, posto de gasolina, restaurante, padaria…) escutará aqueles mesmos Beatle(s) supracitados, ou algum outro “produto de consumo rápido” da indústria fonográfica (quase sempre em inglês, quase sempre Rock).

A valorização da Cultura Local, do alimento local, da solução local…

Como foi dito acima, não acredito que, nem o problema, nem as soluções sejam somente aplicáveis à uma esfera da vida de todo dia, nesta perspectiva “do lucro” que nos foi imposta. Acredito fortemente que o caminho para salvarmos o planeta enquanto moradia compatível com a nossa vida, seja irmã gêmea das estratégias que devemos estabelecer para criar ambiente favorável à criação e fruição artística, e passe pelo mesmo caminho, que é, em última análise, é pra citar o honorável Paulo Freire: “a humanização de nossas relações”.

Sim, porque quando o lucro está acima de tudo, está também acima das pessoas, de suas necessidades e capacidades, de seus sonhos e esperanças.

Na verdade, basta olharmos com atenção pro mundo em que vivemos, em que pessoas passam fome, mesmo havendo tanta comida, em que as florestas sejam destruídas, sendo que existem soluções tecnológicas para criarmos todas as nossas demandas, em que tantos não tenham onde morar, mesmo nós tendo tantas casas vazias, para percebermos que a rota precisa ser corrigida.

E a rota da Cultura é essencial. Nossa liberdade só será plena quando pudermos exercer plenamente nossos processos criativos.

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Chico Nogueira

Músico auto didata participou, juntamente com Brás da Viola da criação da primeira orquestra de viola caipira do Brasil, em 1991 Em 1999 tocou com a Cia. Carroça de Mamulengos, e em 2000 criou o grupo Mambembrincante, juntamente com diversas pessoas oriundas de várias áreas da cultura, como teatro e artes plásticas.

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