Entenda como a opressão de gênero se manifesta e afeta mulheres em todas as esferas.
O machismo estrutural é uma forma persistente e silenciosa de opressão que permeia todas as esferas da sociedade. Essa estrutura se manifesta de maneira insidiosa nas interações relacionais, não é apenas um comportamento isolado, mas uma lógica de dominação profundamente enraizada nas instituições sociais, culturais, políticas e até espirituais. Ele sustenta e normaliza uma série de violências — muitas vezes sutis, silenciosas, simbólicas — que afetam de forma direta a vida das mulheres em seus lares, trabalhos, relações afetivas e comunidades. Mais do que atitudes isoladas ou preconceitos individuais, trata-se de um sistema enraizado cultural, social e institucionalmente, que naturaliza a desigualdade de gênero e legitima diversas formas de violência contra a mulher, reforçando papéis de submissão feminina e colocando o masculino como referência de poder e autoridade.
Na intimidade doméstica, o machismo pode aparecer em forma de controle, invisibilizaçãoemocional, exigências unilaterais ou sobrecarga nas tarefas de cuidado. Na família, muitas vezes se manifesta na desvalorização das opiniões femininas, na expectativa de obediência ou na culpabilização das mulheres por conflitos. Já no campo profissional, revela-se na desigualdade salarial, na deslegitimação de competências e no apagamento de vozes femininas em decisões importantes.
Violência nas Relações Íntimas
No ambiente íntimo, o machismo pode se expressar tanto de forma explícita quanto sutil. Violências emocionais, psicológicas e até físicas são, muitas vezes, naturalizadas como parte da convivência afetiva. O controle sobre o modo de vestir, o cerceamento da liberdade, a invalidação das opiniões da mulher, a chantagem emocional e a manipulação são formas comuns de abuso que se escondem sob o manto do “ciúme” ou “amor protetor”.
O feminicídio — o assassinato de mulheres por razões de gênero — é a face mais extrema dessa violência. Em muitos casos, ele é o desfecho de uma escalada de abusos que não foi interrompida por falta de apoio institucional, medo ou vergonha da vítima, ou mesmo por banalização da violência.
Violência nas Relações Familiares
Dentro da estrutura familiar, o machismo se revela na divisão desigual de tarefas, na responsabilização exclusiva da mulher pelo cuidado dos filhos, e na perpetuação de discursos que reforçam a ideia de que a mulher deve “aguentar” para manter a família unida. Muitas meninas crescem sendo educadas para servir, calar e agradar, enquanto os meninos são ensinados a liderar, dominar e nunca demonstrar vulnerabilidade.
Esses ensinamentos moldam adultos que replicam padrões abusivos, transformando o lar em um espaço de reprodução de desigualdades, ao invés de ser um ambiente de acolhimento e respeito mútuo.
Violência nas Relações Profissionais
No mundo do trabalho, o machismo estrutural se manifesta por meio da desigualdade salarial, da sub-representação feminina em cargos de liderança, da sexualização da imagem da mulher e da violência institucional. Comentários misóginos, silenciamentos em reuniões, promoção do homem mesmo com menor qualificação, e o assédio sexual são práticas ainda comuns.
Além disso, mulheres que denunciam abusos frequentemente enfrentam retaliações, descrédito ou são obrigadas a “provar” que foram vítimas. A masculinização do espaço profissional obriga muitas mulheres a adotarem posturas rígidas, abdicando de sua espontaneidade para serem levadas a sério.
Violência nas Relações em Grupos Espirituais
Mesmo em espaços dedicados à espiritualidade, que deveriam ser espaços de cura e consciência, onde se esperaria acolhimento, igualdade e elevação da consciência, o machismo estrutural pode estar presente de forma sutil ou velada. Quando líderes homens ocupam todos os espaços de fala, decisão e orientação, ou quando o sagrado feminino é abordado de forma superficial e exótica, sem uma real escuta das mulheres, perpetua-se um padrão de exclusão espiritual. Mulheres são frequentemente induzidas a calar sua intuição, sua raiva legítima ou sua dor profunda — em nome da “harmonia” ou da “luz”.
Muitas vezes, lideranças espirituais são predominantemente masculinas, e as mulheres são relegadas a funções secundárias, mesmo sendo a maioria ativa nas práticas, nos serviços e nos cuidados coletivos. A autoridade espiritual do homem é frequentemente naturalizada, enquanto a sabedoria feminina é tratada como intuição “suave”, desvalorizando seu potencial como fonte legítima de conhecimento e condução.
Além disso, há casos em que práticas espirituais são utilizadas para justificar comportamentos machistas ou manter relações abusivas, travestindo submissão como “entrega espiritual”, ou sugerindo que o sofrimento da mulher seja parte de uma “prova cármica”. Em nome da fé, muitas mulheres se calam diante de violências emocionais, simbólicas e até físicas, com medo de romper com o grupo ou de serem vistas como “desarmoniosas”. É fundamental que comunidades espirituais façam uma autocrítica profunda, revisitem suas doutrinas e práticas à luz da equidade de gênero e promovam espaços realmente seguros e justos para todas as pessoas.
Violências nas Relações: Um Olhar pela Psicologia
Do ponto de vista da psicologia, o machismo estrutural impacta diretamente a saúde emocional das mulheres. Estudo realizado por Carvalho Castro e Pimentel (2021), no interior da Bahia, mostrou que cerca de 60% das demandas psicológicas atendidas na atenção básica estavam relacionadas a violências machistas — como abuso sexual, desvalorização e sobrecarga emocional. A psicologia feminista e a psicologia social crítica, como a de Ignacio Martín-Baró, reforçam que essas violências não são eventos individuais, mas frutos de uma cultura patriarcal que estrutura o sofrimento psíquico feminino.
A teoria do *sexismo ambivalente*, desenvolvida por Glick e Fiske (1996), também é importante para compreender como o machismo opera de forma tanto hostil quanto “benevolente”. Mulheres são romantizadas e protegidas desde que se mantenham dentro de papéis tradicionais; quando saem desses moldes, enfrentam hostilidade, desconfiança ou punição simbólica. Tais dinâmicas podem gerar conflitos internos, baixa autoestima e adoecimento emocional — como mostram estudos da Terapia do Esquema, de Young e Klosko.
Além disso, a internalização do machismo pelas próprias mulheres, conforme apontado por autores como Judith Beck (TCC) e pelas abordagens junguianas femininas, pode levar à construção de crenças centrais de desvalor, submissão e autossacrifício. Muitas carregam culpas inconscientes por não corresponderem ao “ideal feminino” imposto, vivendo relações marcadas por silenciamento, insegurança e ansiedade.
Outras Relações Sociais e a Invisibilização das Mulheres
O machismo também se reflete nas interações sociais mais amplas. Mulheres são interrompidas com mais frequência em conversas (mansplaining), têm sua competência questionada (manterrupting), são julgadas por suas escolhas reprodutivas ou sexuais e muitas vezes vistas como “emocionais demais” para cargos de decisão. Mulheres negras, indígenas, LGBTQIAPN+ e com deficiência enfrentam uma camada ainda mais complexa de opressão, onde o machismo se entrelaça com o racismo, capacitismo e outras formas de discriminação.
A cultura da hipersexualização, o julgamento moral sobre a liberdade feminina e a impunidade diante da violência sexual contribuem para a manutenção de um sistema que trata o corpo e a voz da mulher como propriedade pública.
Caminhos para a Superação
Superar o machismo estrutural exige ações coordenadas em múltiplas frentes:
- Educação de gênero desde a infância, para desconstruir os papéis tradicionais e promover o respeito mútuo;
- Leis efetivas e acolhimento institucional, com políticas públicas voltadas à proteção das vítimas e punição dos agressores;
- Espaços seguros de escuta e apoio, tanto nas instituições quanto nas comunidades;
- Transformação cultural, com representações positivas e plurais das mulheres na mídia, literatura, arte e liderança social;
- Empoderamento econômico e autonomia, para que as mulheres possam romper ciclos de violência e dependência.
O machismo estrutural é mais do que um problema individual — é uma questão social, histórica e política. Enquanto não for enfrentado com seriedade e compromisso coletivo, continuará gerando sofrimento, exclusão e morte. A desconstrução dessa estrutura começa nas relações do dia a dia: ouvindo, reconhecendo e valorizando as mulheres em toda a sua diversidade. A luta contra o machismo é, portanto, uma luta por justiça, equidade e direitos humanos.
É essencial trazer esse debate para todos os espaços de convivência e autoconhecimento. Reconhecer o machismo estrutural é o primeiro passo para transformá-lo. É também um caminho de libertação psíquica e emocional — tanto para mulheres quanto para homens — para que novas formas de se relacionar possam florescer, pautadas no respeito, na escuta, na igualdade e na dignidade.