A descoberta da distonia e o impacto inicial em minha vida.
Desde muita nova sentia uma inquietação, algo me impulsionava a buscar ir além, queria aprender e viver coisas novas. Movida por este impulso deixei o interior da Bahia e vim para Brasília-DF, cheia de sonhos e imbuída de força, me mudei e comecei a trabalhar como auxiliar de cabeleireiro, profissão que de forma intuitiva eu já desenvolvia. Aprendi muito e estava me desenvolvendo bem, até que comecei a sentir fortes dores na mão, que irradiava para o braço e ombro.
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O preconceito no ambiente de trabalho e na sociedade.
Mesmo estando no ramo da beleza eu sabia ser necessário buscar novos conhecimentos, e foi assim que decidi pelo curso de contabilidade, foi então que me matriculei em uma faculdade, tempos depois consegui uma bolsa auxílio. Confesso que mesmo com medo de não conseguir pagar as mensalidades eu arrisquei, pois eu sabia que somente o estudo me permitiria uma melhor colocação no mercado de trabalho. A decisão de mudar de carreira foi extremamente importante e no terceiro semestre conseguir um estágio em uma empresa renomada, que disponibilizava até auxílio alimentação, pensei que havia encontrado o emprego dos sonhos. No entanto, depois de algum tempo novamente comecei a sentir fortes dores, que me levaram à emergência em hospitais, os médicos não investigavam a fundo o que eu tinha e adotaram como protocolo a imobilização do meu braço e uso de relaxantes musculares. As dores se intensificaram e um dia na faculdade depois de escrever muito percebi que minha mão havia enrijecido e que eu não conseguia executar o movimento de pinça com os dedos, fiquei em pânico. Retornei ao hospital e os médicos adotaram o mesmo procedimento para imobilizar e disseram que procurasse um ortopedista, que ao examinar e pedir exames de imagem não encontrou causas e nem um diagnóstico acerca do meu caso. As idas às emergências eram constantes e eu continuava sofrendo, resolvi então contratar um plano de saúde para investigar mais a fundo e encontrar um diagnóstico. Deste modo, procurei diversos especialistas como: reumatologista, neurologista, fiz acupuntura e fui a inúmeros hospitais, tendo em vista a intensificação das dores. No final de 2016 uma reumatologista disse que eu tinha câimbra do escrivão, no ano seguinte confirmamos o diagnóstico e então fui orientada a procurar um neurologista, como não tinha recursos financeiros procurei a rede Sarah. Vivenciado este processo de angústia em busca do diagnóstico e vivendo longe de minha família, passei por um processo de assédio moral no ambiente educativo, pois devido às fortes dores não consegui realizar a prova e o docente afirmou que eu estava “fingindo, que eu na verdade não deveria ter estudado”. Mesmo mencionando que estava há meses sofrendo com crises de dores na mão e buscando o diagnóstico com a ida a inúmeros médicos, não consegui realizar a prova e assim perdi na disciplinar, tendo que realizá-la novamente com este mesmo professor e sendo constantemente julgada e perseguida por ele. Cabe citar que mesmo reportando e mostrando os atestados não obtive amparo por parte da coordenação e gestão da faculdade. Sofri preconceitos e julgamentos por parte de professores e colegas que começaram a questionar minha capacidade intelectual. Neste ínterim, as crises se intensificaram e então começaram a afetar minha capacidade produtiva em meu trabalho. Se antes eu era elogiada, passei a ser criticada e perseguida pelos colegas e superiores que criaram situações complexas com o intuito de me boicotar, pois eles agora duvidavam da minha capacidade em exercer a contento as funções.
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Como aprendi a lidar com a doença e a construir uma nova rotina.
Tal situação piorou ainda mais, foi quando consegui descobrir meu diagnóstico, percebi que era tratada “como um peso morto”, eles deixaram de me passar diversos trabalhos com o intuito de me isolar e forçar minha saída do trabalho. Vivi momentos muitos tristes de solidão, de angústia, de desamparo e inquietações, pois eu descobri ter uma doença rara e crônica, sobre a qual até os médicos desconheciam os protocolos a adotar.
Distonia: aprendendo a viver com ela…
Depois de muitas idas e vindas aos médicos de inúmeras crises, foi que finalmente escutei pela primeira vez o nome dela, Distonia, uma doença neurológica rara e crônica que “produz movimentos e posturas involuntárias que deixam uma região do corpo retorcida, dobrada e esticada. Isto ocorre em decorrência do desequilíbrio na atividade muscular, em que um grupo de músculos “rebeldes” se contrai mais do que os outros”. (BURJAILI, 2024).
Dito de outro modo, a distonia é caracterizada por movimentos involuntários, câimbras, contrações musculares que geram dor e dificultam a execução correta do movimento. Ademais podem ter outras consequências segundo (BURJAILI, 2024) dificuldade para escrever ou pegar objetos, alterações na posição natural do pescoço ou do tronco e pode inferir mesmo na impossibilidade de caminhar. Fazendo a intercessão do conceito de distonia, o meu tipo diagnosticado foi à câimbra do escrivão, a dificuldade de escrever e digitar pouco a pouco tirou a minha capacidade produtiva e funcional, e me fez vivenciar preconceitos e mudanças na rotina de vida. Isto culmina geralmente em depressão, em diagnóstico de ansiedade, pois em meio às crises nos tornamos dependentes das pessoas. Atrelado a este turbilhão de mudanças, vem às dificuldades de acesso aos especialistas, aos exames, os altos custos dos medicamentos. As idas aos médicos, as crises e a colocação de atestados médicos. A partir daí comecei a ser julgada no ambiente de trabalho, na faculdade pelas inúmeras faltas, afinal a distonia não é uma doença tão visível aos olhos, aparentemente estou bem, pois, externamente só irão perceber as crises se tiver espasmos e crises bem agudas. Mas internamente estou na maioria das vezes com dor, sem dormir bem, sentindo “os efeitos colaterais trazidos pelos remédios que afetam nosso intestino, nossa capacidade intelectual, pois ficamos disfuncionais, bem lentos, devido ao uso de antidepressivos.
A importância da conscientização, da inclusão e das políticas públicas para pessoas com distonia.
Mesmo com fortes dores, eu luto para me manter funcional, luto para dar o cem por cento de mim, quando minhas funções estão reduzidas em menos da metade. Mesmo com dores eu reluto em pedir um afastamento do trabalho, pois o contato com as pessoas, as atribuições no ambiente de trabalho me movem e lembram o porquê escolhi a contabilidade e mesmo sem recursos me esforcei muito para concluir a faculdade e ser a primeira da minha família com um diploma universitário.
Rompi um ciclo histórico, e ao fazê-lo estimulei meus sobrinhos e mostrei que é preciso e possível ter nível superior. E como estudei tanto e sei de minha capacidade decidi ocultar meu diagnóstico com receio de sofrer preconceitos como já havia vivenciado em outras empresas, “os olhares de lado, as conversinhas interrompidas, as insinuações”. Por um período eu me mantive sem crises e conseguindo me desenvolver até que tive uma crise muito forte e houve a necessidade de revelar meu diagnóstico. Importa citar que fui acolhida por alguns dos meus colegas de trabalho, que quiseram saber de fato o que é a distonia e como poderia me auxiliar, outros fingirem me acolher e começaram a questionar minha capacidade profissional, passei a vivenciar novos assédios morais, preconceitos e insinuaram que deveria me afastar das minhas funções. Sem escutarem minha opinião, depois de muita análise percebi e informei aos médicos que eu quero e preciso pela minha saúde mental e por questões financeiras continuar trabalhando.
É imperioso citar também que ao estar inserida em uma empresa eu consigo informar as pessoas sobre a distonia, eu de algum modo rompo o preconceito de muitos colegas de trabalho demonstrando que mesmo tendo uma doença rara eu não me considero “vítima” e quero continuar exercendo minhas funções.E que “apesar de um diagnóstico, apesar das crises, apesar das limitações impostas pela doença”, eu luto para continuar sendo funcional, luto para conscientizar as pessoas sobre a necessidade de respeito aos distônicos. Luto para que nossos direitos sejam garantidos perante a lei, luto para que as pessoas sejam inclusivas e que os ambientes de trabalho sejam mais humanos e saudáveis.
Luto para continuar tendo orgulho de mim mesma, para não me acomodar diante das adversidades, não sucumbir diante das dores e dos dissabores da vida. Eu luto e continuarei lutando para ser uma melhor versão de mim e para dar sempre cem por cento de mim.