Uma Proposta de Abordagem Integral – Relato de Experiência
Como pesquisador e pedagogo reeducador, iniciei uma investigação que se transformou em uma jornada pessoal e profissional significativa: desenvolver e aplicar uma abordagem terapêutica para jovens infratores da lei que enfrentavam o uso de substâncias psicoativas (SPA). Minha hipótese inicial era que a resposta para a problemática não residia no isolamento desses jovens, mas sim no fortalecimento de seus laços familiares e comunitários, oferecendo-lhes um caminho para a mudança.
Ao longo da pesquisa, deparei-me com a complexidade do problema. Cada jovem trazia consigo uma história única, marcada por desafios sociais, familiares e individuais. A medida judicial, muitas vezes, era apenas a ponta do iceberg, revelando um emaranhado de questões que clamavam por atenção.
A abordagem sistêmica emergiu como um modelo promissor. Ao invés de focar apenas no indivíduo, buscamos compreender os sistemas em que estavam inseridos: a família, a escola, a comunidade. Essa perspectiva nos permitiu enxergar os jovens em sua totalidade, identificando padrões de interação e dinâmicas que contribuíam para o uso de SPA e a prática de atos infracionais.
O engajamento dos jovens foi um desafio inicial. Muitos chegavam ao programa com resistência, vendo a medida judicial como uma punição e não como uma oportunidade de mudança. Para superar essa barreira, adotei uma postura de escuta atenta e respeito, buscando compreender suas perspectivas e necessidades. Aos poucos, construímos um espaço de confiança, onde eles se sentiam seguros para compartilhar suas histórias e anseios.
As sessões terapêuticas, individuais e em grupo, foram momentos de profunda reflexão. Através de técnicas como a escuta ativa, o role-playing e a reestruturação cognitiva, os jovens puderam explorar suas emoções, identificar padrões de comportamento e desenvolver habilidades para lidar com situações de risco. As equipes reflexivas, por sua vez, proporcionaram um espaço de diálogo aberto entre jovens, familiares e profissionais, promovendo a construção de soluções colaborativas.
A capacitação da equipe foi fundamental para o sucesso da intervenção. Através de workshops e discussões de casos, os profissionais puderam aprimorar suas habilidades em terapia sistêmica e desenvolver estratégias de intervenção adaptadas ao contexto brasileiro. A troca de experiências e a reflexão conjunta fortaleceram o trabalho em equipe, criando um ambiente de apoio e aprendizado mútuo.
Ao longo da pesquisa, observei transformações significativas. Jovens que antes se mostravam resistentes e desmotivados começaram a se engajar ativamente no tratamento, construindo projetos de vida e estabelecendo metas para o futuro. As famílias, muitas vezes fragilizadas e desesperançadas, encontraram no programa um espaço de apoio e orientação, fortalecendo seus laços e aprendendo a lidar com os desafios.
Acredito que a abordagem sistêmica tem um enorme potencial para transformar a realidade de jovens infratores no Brasil. Ao invés de perpetuar um ciclo de exclusão e violência, podemos oferecer-lhes um caminho para a mudança, construindo um futuro mais justo e promissor para todos.
A continuação um passo a passo do desenvolvimento da proposta aplicada na experiência por mim desenvolvida como pedagogo e como contextualizá-la para o Brasil nas Instituições Socioeducativas de Internação, Semiliberdade e Meio Aberto.
Problematização:
Como favorecer uma intervenção adequada às problemáticas com que os jovens e suas famílias chegam, e em atenção à sua medida judicial, dadas as características do programa de meio aberto e com população flutuante? Busca-se desenvolver, com os profissionais da equipe, estratégias terapêuticas para intervir nas múltiplas problemáticas com que os jovens chegam ao programa e, no nível pessoal, como pedagogo reeducador, poder convalidar estratégias de intervenção do campo terapêutico que possam ser aplicadas em meio aberto e enriquecer esse âmbito profissional.
As colocações anteriores se concretizam em três perguntas para a abordagem:
- Como dimensionar de maneira crítica e analítica a complexidade do problema do consumo de substâncias psicoativas que mobilize a participação de Unidades de Internação, seus profissionais, famílias, jovens e pesquisador em uma abordagem sistêmica em meio aberto?
- Qual seria o engajamento para que o jovem vislumbre programas de meio aberto como uma possibilidade de mudança e de construção de seu projeto de vida, independentemente da medida judicial?
- Que características deve ter uma proposta de intervenção terapêutica sistêmica para ser integrada ao processo reeducativo que se encontram cumprindo medidas judiciais, como um espaço de acompanhamento que permita ao jovem avançar em seu processo?
Situações Problemáticas Encontradas nos Casos de Acompanhamento:
Os jovens chegam ao programa sob medida judicial, por delitos que vão contra a Propriedade, como furto, danos à propriedade; Contra a vida, como lesões pessoais, homicídio, sequestro; Sexuais, como acesso carnal violento, abuso e assédio sexual; atos relacionados com Droga, tais como porte, consumo, tráfico e/ou distribuição de substâncias psicoativas (SPA); e outros casos de jovens em menor proporção que chegam ao programa por extorsão, chantagem, pirataria; que em si mesmos e em seu conjunto oferecem uma ampla gama de pontos a trabalhar e a abordar a partir dos Problemas de Socialização com multiplicidade de causas e fatores que os geram.
Diagnóstico Individual dos Casos:
De acordo com o modelo Sistêmico, o que interessa é a reflexão dada no processo de acompanhamento apresentada nos casos, o relato construído ao longo da intervenção e o trabalho realizado com eles, o que permite uma visão geral dos mesmos e aportes e estratégias realizadas para a abordagem das problemáticas de maneira holística e integral.
Referenciais Conceituais a Serem Levados em Conta:
- Adição: A adição tem sido descrita de muitas maneiras diferentes: como fraqueza moral, falta de força de vontade, incapacidade para enfrentar o mundo, debilidade física e doença espiritual. Em seu nível mais básico, é a tentativa de controlar e satisfazer o desejo de felicidade. A adição pode ser vista como uma tentativa de controlar esses ciclos incontroláveis por tentar satisfazer o estado de felicidade, satisfazendo-o momentaneamente e, ao voltar a ficar com a sensação de vazio, volta novamente a buscar satisfazê-la com o objeto, situação ou substância aditiva.
- Adição – Infração: Para a relação do consumo de Substâncias Psicoativas (SPA), pode-se confirmar que existem multiplicidade de variáveis que incidem para que o jovem infrinja a lei, e que a prevalência de consumo nos jovens infratores seja maior para o álcool, a maconha e o crack. Em reflexão com a equipe técnica a respeito da relação que existe com os jovens e o consumo de drogas, conclui-se que é evidente que o grupo de jovens que frequenta o programa está ligado ao consumo de substâncias psicoativas SPA, senão de forma direta por porte e consumo, estão de acordo com os comportamentos encadeantes e desencadeantes de sua conduta delitiva e sua relação com essas substâncias por uso próprio ou pelo contexto de amigos em que se movem, que fazem uso das mesmas.
- Concepção do Problema: Dentro da perspectiva sistêmica, os problemas são vistos como sintomas motivo de consulta, mas não são considerados como um problema em si, porque, ao partir de uma leitura interacional, os sintomas são apenas um sinal de alarme que denuncia uma maneira particular de funcionamento dos sistemas aos quais pertence seu portador. Portanto, o problema presente é em si o assunto sobre o qual o consultante está disposto a trabalhar, pois, ao ser uma manifestação intensificada do que não funciona, se converte em um indício concreto do progresso terapêutico. Ángela Hernández. Intervenção Sistêmica Familiar.
- Intervenção: A terapia sistêmica é uma forma particular de abordar e resolver os problemas humanos, apesar da complexidade com que estes se apresentam. Porque, sem ignorar suas origens e sua etiologia – se é que de fato estes podem ser estabelecidos –, busca-se abordá-los a partir da concepção do sistema em que se desenvolve e seus processos de organização e desorganização que ali ocorrem. Já no campo específico do planejamento de estratégias de intervenção sistêmica, parte-se de uma definição tal do problema, que seja compartilhada no estabelecimento de metas, sendo necessário focar no possível e não no perfeito: a meta da intervenção não é criar um ser humano perfeito, mas ajudar as pessoas a usar suas habilidades e potencialidades existentes, limitadas ou alteradas por suas dificuldades. Busca-se facilitar que a pessoa alcance metas pessoais tão vantajosas quanto possível. A aplicação de técnicas de intervenção sistêmica familiar como a encenação, fixação de limites, desestruturação de hierarquias, levam a conduzir a dinâmica dos diálogos. Equipes Reflexivas Tom Anderson, Angela Hernández.
Proposta de Abordagem e Compreensão do Problema:
• Objetivos:
o Geral: Possibilitar à equipe de profissionais e aos jovens que estão cumprindo medidas socioeducativas estratégias terapêuticas de intervenção a partir do modelo Sistêmico, por meio de um processo reflexivo e de capacitação que permita a mobilização dos diversos atores envolvidos (jovens infratores e suas famílias, equipe profissional e Pesquisador), para o fortalecimento das metas de vida dos jovens e a abordagem interdisciplinar da equipe profissional no consumo de substâncias psicoativas e medida judicial.
- Específicos:
▪ Refletir com a equipe interdisciplinar sobre as problemáticas e necessidades reais do grupo de jovens e famílias em acompanhamento, a fim de construir novas estratégias de intervenção e reflexões frente à delinquência juvenil e ao consumo de substâncias psicoativas.
▪ Gerar processos de autoformação e reflexão que permitam integrar, aplicar e avaliar a proposta de intervenção terapêutica na equipe de profissionais e jovens de instituições socioeducativas consumidores e não consumidores.
▪ Construir de maneira integral e participativa com a equipe interdisciplinar, por meio do modelo sistêmico, o acompanhamento de intervenção terapêutica das instituições socioeducativas como um espaço dinamizador e enriquecedor da proposta reeducativa.
• Metodologia:
o Metodologia de Pesquisa: Momentos denominados Pesquisa, Viabilidade, aplicabilidade que se acomodam às colocações de Joan Bosco Pinto, Orlando Fals Borda representantes da pesquisa ação.
▪ Momento 1. Pesquisa: Fases de estudo, coleta e análise de informações.
▪ Momento 2. Viabilidade: Reflexão, estabelecimento de metas e plano de ação.
▪ Momento 3. Aplicabilidade: Capacitação, acompanhamento e avaliação.
• Programa e Proposta de Intervenção:
- Programa 1: Envolvendo, Motivando, Avaliando.
▪ Projeto 1. Engajamento e Enquadramento Inicial.
▪ Projeto 2. Acompanhamento de Casos.
▪ Projeto 3. Retroalimentação e Reflexão.
▪ Projeto 4. Vinculação.
- Programa 2. Integrando, Implementando.
▪ Projeto 1. Acompanhamento de intervenção terapêutica individual e grupal.
▪ Projeto 2. Equipes Reflexivas.
▪ Projeto 3. Capacitação – Construção.
Aspectos Técnicos e Aplicabilidade no Brasil:
A proposta de intervenção terapêutica sistêmica, desenvolvida a partir dessa experiência, pode ser aplicada em programas de meio aberto no Brasil, adaptando-se às especificidades de cada contexto local. A seguir, apresento alguns aspectos técnicos e diretrizes para a implementação:
- Formação da Equipe: A equipe profissional deve ser capacitada em terapia sistêmica, com foco em técnicas de entrevista, intervenção familiar e grupal.
- Avaliação Diagnóstica: Realizar uma avaliação diagnóstica abrangente, considerando os fatores individuais, familiares e sociais que contribuem para o uso de SPA e a prática de atos infracionais.
- Plano de Intervenção Individualizado: Desenvolver um plano de intervenção individualizado para cada jovem, com metas e objetivos claros, considerando suas necessidades e potencialidades.
- Intervenção Familiar: Envolver as famílias no processo terapêutico, oferecendo suporte e orientação para fortalecer os laços familiares e promover a mudança.
- Intervenção Grupal: Utilizar grupos terapêuticos como espaço de troca de experiências e desenvolvimento de habilidades sociais.
- Rede de Apoio: Fortalecer a rede de apoio social dos jovens, envolvendo escolas, comunidades e outros serviços relevantes.
- Avaliação Contínua: Realizar avaliação contínua do processo terapêutico, ajustando as estratégias de intervenção conforme necessário.
Acredito que, com a aplicação adequada desses aspectos técnicos, a abordagem sistêmica pode contribuir significativamente para a transformação da vida de jovens infratores no Brasil, oferecendo-lhes a oportunidade de construir um futuro mais promissor.
• Conclusões:
- A importância do enfoque sistêmico reside no fato de ter um olhar integral da pessoa e a possibilidade de abordar a partir da multiplicidade de elementos tão ricos e tão variados que configuram a personalidade e os comportamentos humanos.
- As colocações a partir da abordagem sistêmica levam a refletir com a equipe técnica a rotulagem que se faz muitas vezes dos casos de acompanhamento.
- Afina-se o grau de escuta à necessidade e sintoma real com que os jovens chegam ao programa.
- O trabalho em equipe garante maior sucesso com os jovens e as famílias.
- A análise sistêmica do problema permite identificar como o sistema familiar e social se converte no eixo que os conecta e os organiza.
- O papel como terapeutas a partir dos diferentes âmbitos profissionais leva também à reflexão pessoal de nossas próprias situação e concepção do que consideramos como problema.
- Encontra-se a forte influência que as famílias possuem na ajuda dos jovens ou, pelo contrário, no fortalecimento da problemática.
- Os jovens conseguem crescer e avançar graças ao trabalho e acompanhamento de grupo.
- Encontram-se muitas potencialidades dos jovens quando se consegue romper o fato de estar apenas por uma medida judicial.
- Os profissionais da equipe ressignificam o valor por seu trabalho graças à sua abertura e dinamismo na aprendizagem de técnicas terapêuticas.
- As famílias dos jovens em acompanhamento se envolvem nos programas da equipe e encontram, por sua vez, um espaço para serem escutadas, confrontadas, compreendidas em sua situação pessoal.
- Reconhece-se que nem todos os jovens alcançam os objetivos propostos.